domingo, 4 de novembro de 2012

A caminho de Marte (parte 3)



Esta é a terceira parte de um extenso texto sobre a história e o estado atual do interesse do Homem por Marte, publicado no suplemento Q. do DN de 22 de setembro de 2012 com o título 'A conquista de Marte vive dividida entre a ciência e o sonho'.

Como lembra Andrew Chailin em A Passion For Mars, as teses propostas por Lowell cativaram atenções, mas desde cedo despertaram também respostas de algum ceticismo junto de algumas figuras da comunidade científica. Apresentadas na Atlantic Monthly, as suas observações e conclusões encontraram portas fechadas junto de algumas publicações científicas na área da astronomia e a sua visão proposta para os “canais” não convenceu muitos astrónomos. Em contrapartida, a cultura popular tomou-as como adubo para uma primeira mão cheia de aventuras. Que passam pela invasão marciana à Grã Bretanha que H.G. Wells (16) ficciona em A Guerra dos Mundos (1899) ou a visão de um mundo seco, habitado e dividido por lutas tribais, que Edgar Rice Burroughs (17) cria para acolher as aventuras de John Carter, que surge pela primeira vez em 1912 em The Princes Of Mars, onde descobrimos que, para os marcianos, o seu mundo tem outro nome: Barsoom. Mas nem tudo eram sonhos de ficção, o entusiasmo pelo sonho marciano ganhando expressão quando, por exemplo, o New York Times noticia em 1911 a construção de nova rede de canais em Marte ou, em 1924, navios da marinha americana fazem silêncio nas suas comunicações por algum tempo para que alguns centros de monitorização pudessem captar eventuais sinais vindos do planeta vizinho (18).

E durante anos as visões sobre Marte viviam entre a crença e descrença nas sugestões de Lowell e as criações ficcionadas de outros que, depois de Wells e Burroughs, continuaram a rumar ao planeta vermelho em narrativas que, aos poucos, estabeleceram a ficção científica como um género marcante da literatura do século XX.

A ciência, aos poucos, ganharia à ficção a liderança das atenções. Em 1955 Gerard Kuiper (19), da universidade de Chicago, usa novas técnicas de espectrometria para identificar que as regiões escuras na superfície marciana poderiam ser escoadas de lava semelhantes às da Lua. E em 1959 William M. Sinton (20), em Harvard, anunciava a deteção, também por espectrometria, de moléculas orgânicas nessas zonas escuras sugerindo, na eventualidade de ser Marte um mundo semelhante à Terra, a existência de uma cobertura vegetal (21). E por isso as muito esperadas imagens da sonda as Nasa Mariner 4, enviadas da sua órbita marciana em 1965, foram um verdadeiro balde de água fria.

A primeira imagem, que levou oito horas a ser captada, chegou de manhã cedo, a 15 de julho. Seguiram-se outras... Mas só cerca de uma semana depois, é que, quando chega a foto 7, tudo muda. Revelavam-se sombras e formas, mostrando crateras de impacte de meteoritos. Figuras que se repetiram nas imagens seguintes. E quando a Nasa as apresentou publicamente em finais de julho, o mundo onde há muito se esperava encontrar vizinhos, ganhava uma nova visão como um “planeta morto”, designação então usada num editorial do New York Times (22). Certa ou errada, a nova visão surgia de observações que, como sugere Andrew Chailin, correspondiam não mais ao Marte que imaginávamos, mas àquele que finalmente podíamos ver.

16 – H.G. Wells (1866-1946) Escrito inglês, autor de uma obra que cruza vários géneros, entre a ficção e o ensaio. Assinou alguns dos primeiros exemplos de literatura de ficção cientítica. Entre eles ‘A Guerra dos Mundos’ (de 1898) que imagina uma invasão marciana da Terra. Uma adaptação radiofónica, narrada e dirigida em 1938 por Orson Welles, encenada com um certo realismo na forma de noticiários e reportagens, gerou pânico nos Estados Unidos.
17 – Edgar Rice Burroughs (1875-1950) Escritor norte-americano, é sobretudo conhecido por ser o criador de Tarzan. É também o autor das aventuras de John Carter, que têm lugar em Marte e que recentemente tiveram adaptação ao cinema.
18 - in A Passion For Mars, de Andrew Chaikin, Abrams (2008), pág 20
19 – Gerard Kuiper (1905-1973) Astrónomo americano de origem holandesa. Identificou satélites de Urano e Neptuno. E ajudou a escolher lugares para as aterragens das missões Apollo, da Nasa.
20 – William M Sinton – Professor de Harvard, tem uma cratera com o seu nome na superfície marciana
21 - in A Passion For Mars, de Andrew Chaikin, Abrams (2008), pág 20
22 – ibidem, pág 29

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